Helô Duran & Ceticências - Virtual Sunset

Texto: Germano Dushá
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19/05/2016 11h 20m 35s

O passeio guiado pelas ferramentas do Google Street View nos arremessa em um cenário que problematiza, em sua própria natureza, os limites entre o plano físico e o digital. Se o dispositivo pretende servir como documentação geográfica das ruas da cidade, o que realmente se vê é apenas a suturação de imagens recortadas e coladas umas nas outras para serem expostas on line com certa naturalização de erros na visualização. Problema ainda maior: o que é possível de se acessar não passa de uma cristalização – mera e absurda tentativa de representar tudo aquilo que nos cerca pela simples captura fotográfica dada em um único instante. Ou seja, a articulação que expande a fisicalidade do nosso mundo se realiza através de uma fração infinitesimal do que de fato pode ocorrer em um espaço socialmente ativado. Por outro lado, diante dessas balizas nos é possível fazer caminhadas que a cada toque do mouse ou do teclado naturalmente editam, mixam e reprogramam o espectro do que existe do lado de fora.

No vídeo produzido por Helô Duran como espécie de resposta à música do duo Ceticências (Cadu Tenório e Sávio de Queiroz), tudo foi retirado dessa plataforma. No percurso proposto, somos primeiro alavancados em silêncio até uma ilha graficamente formada por falhas de processamento. Logo, ao som de engrenagens atarantadas cobertas por melodias suaves e batidas metálicas, nos aproximamos do centro de uma imagem distorcida e sem nitidez. Ao se revelar, percebemos um grupo de pessoas muito parecidas, todas vestindo camisetas vermelhas – cor que devido ao seu uso histórico e ligação com alguns partidos específicos tornou-se peça central nos embates cotidianos do Brasil –, em uma coesão rara, que talvez só encontremos em manifestações de cunho político. No entanto, tratam-se de funcionários da Coca-Cola em um momento de distração na cobertura do que provavelmente é o edifício em que trabalham, num ritual abobalhado que delineia a imbecilizante ideologia coorporativa pregada por grandes empresas. A partir daí, na medida em que a sonoridade composta pela colagem de ruídos urbanos e digitais se torna cada vez mais complexa, somos arremessados para dentro e fora desse lugar, intercalando a repetição daquela situação com investidas no solo, numa balança de contrastes entre espaços públicos e privados, ambientes construídos e outros naturais. É quando vamos até um pedaço da praia para andarmos no meio de gente de todo tipo, numa multidão heterogênea aglomerada de frente a um espetáculo popularesco a céu aberto; entramos na varanda de um apartamento suntuoso; ou encontramos banhistas ávidos por fotografar o pôr do sol nas areais e pedras do Arpoador. A absurdez da representação digital evidencia, então, o descalabro da desigualdade social.

Enquanto a música segue acumulando texturas e criando cenas que se repetem e se aglutinam em movimentos desvairados, como se buscasse uma fronteira inatingível como recompensa por tanto esforço, o delírio visual acelera em suas transições. Aqui, atingimos o ápice da bagunça da combinação de memórias afetivas advindas de experiências mundanas e daquelas formuladas por meio da internet. Mas não tarda para que o ritmo diminua e o cair da tarde se concretize, de uma vez por todas, no encerramento do aplicativo usado para gravar a tela do computador.

The walk guided by Google Street View pushes us into a scenario that holds, in its own nature, a problem concerning the limits between digital and physical spaces. Although the device is supposed to serve as a geographical documentation of the city, what we really see is a suture of pictures in a cut, copy and paste process to be exhibited on line, in despite of the common visualization glitches. Even a bigger problem, what is possible for us to access is nothing more than a crystallized point – an absurd attempt to represent everything that surrounds us by the use of a photograph taken in one given moment. That is to say, the articulation that expands the physicality of our world is only achievable trough an infinitesimal fraction of the possibilities that can occur in a socially activated field. On the other hand, facing these curbs we are capable of cruising in a way that each touch of the mouse or the keyboard naturally edits, mixes and reprograms the spectrum of what lays outside.

In the video produced by Helô Duran as a kind of answer to the due Ceticências’ (Cadu Tenório e Sávio de Queiroz) song, everything was taken from this platform. In the proposed route, we are first launched, in silence, into an island graphically formed by processing errors. Suddenly, by the sound of busy gears covered by soft melodies and metallic beats, we approach the center of a cloudy and distorted image. As it reveals itself, we realize it shows a group of very alike people, all wearing red t-shirts – a color that in consequence of its historical use and contemporary connection with some specific parties has become a main subject in everyday quarrels in Brazil –, in a rare case of cohesion, that we only can find in political demonstrations. However, it’s nothing but some Coca-Cola employee gathered in a moment of fun at the top of the building they work at, in a foolish ritual that outlines the imbecilic corporate ideology preached by big companies. From there on, as the sound composed as a collage of urban and digital noises becomes more and more complex, we are thrown in and out from this place, intercalating that same situation with ground forays, in a balance of contrast between public and private spaces, constructed and natural ambient. It’s when we hit a piece of the beach and walk trough all sorts of people, in a heterogeneous crowd agglomerated in front of an open air silly popular spectacle; we get inside a balcony in a sumptuous apartment; or we find bathers being eager to take photos of the sunset close to the ocean. The absurdity of the digital depiction highlights the wretchedness of the social inequality.

While the music keeps on accumulating textures and creating scenes that repeat and agglutinate themselves in frenzied movements, as something searching for an intangible boundary as a reward for so much effort, the visual delirium speeds up in its transitions. Here, we hit the summit of the mess that results of the combination of affective memories from mundane experiences and the ones formulated in the Internet. But soon the tread slows down, and the evening is over, once and far all, in the quitting of the screen recording app.